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Brasil deve ter cuidado com investidor ‘turista’, diz economista

Aumento da pobreza, encolhimento da classe média e fuga de capitais são possíveis desdobramentos da atual crise econômica brasileira.

 

A opinião é de Mohamed El-Erian, economista e guru dos mercados financeiros internacionais.

 

Para ele, a situação brasileira é muito preocupante. Mas El-Erian ressalta que a economia não é complicada. O problema, diz, é a necessidade de desejo político de implementar mudanças e de amplo apoio nacional.

 

Sobre o fluxo de capital de fora para o Brasil nas últimas semanas, atraído por preços baixos de ativos, o economista alerta para o risco do investidor "turista", "que tende a entrar em excesso quando as coisas parecem bem e, de repente, se direcionar à porta de forma desordenada quando as coisas parecem ruins".

 

Leia a seguir a entrevista de El-Erian à Folha.

 

Folha – Em agosto passado, o sr. disse em uma entrevista à Folha que Brasil precisava urgentemente quebrar o ciclo de crescimento baixo. Desde então, a crise se acentuou. Como avalia a situação?

 

Mohamed El-Erian – A situação é muito preocupante. O Brasil corre o risco de um período prolongado de crescimento baixo com pressões inflacionárias e no balanço de pagamentos –uma combinação que é particularmente ameaçadora para os segmentos mais vulneráveis da população.

 

E, quanto mais isso persistir, maior o risco prejudicial para o potencial de crescimento do Brasil, que, em outro cenário, seria promissor.

 

É possível que o governo Dilma consiga reverter a recessão, em meio à crise política?

 

Essa é uma pergunta mais política do que econômica e, por isso, não sou tão qualificado para respondê-la.

 

O que eu ressaltaria é que a economia não é tão complicada. O que é necessário é desejo político de implementar as medidas corretas e apoio nacional amplo.

 

O que pode ocorrer se medidas significativas não forem tomadas logo?

 

O que pode ocorrer não é bom, nem para a geração atual, nem para as futuras. O Brasil sofreria com uma recessão ainda mais longa e profunda. Os níveis de pobreza aumentariam, minando o tecido social do país. A classe média seria gradualmente esvaziada. A fuga de capitais se acentuaria, e episódios de inflação se tornariam comuns.

 

Apesar da crise, há quem diga no mercado que o Brasil se tornou a oportunidade da década devido à depreciação de seus ativos. O sr. concorda? Investiria agora no Brasil?

 

O tema aqui é se, devido a uma série de fatores técnicos, os preços dos ativos financeiros se descolaram do valor correto com base em seus fundamentos. Isso é um fenômeno comum em mercados emergentes, tanto no caminho para cima quanto para baixo. Muito tem a ver com a volatilidade e a fragilidade da base de investidores como um todo, que tem um notável componente de investidores que eu chamo de "turistas", que tendem a entrar em excesso quando as coisas parecem bem e, de repente, se direcionar à porta de forma desordenada quando as coisas parecem ruins.

 

Quando se trata de investir, os investidores deveriam avaliar cada oportunidade de investimento levando em conta sua resiliência financeira, que permita que naveguem o que deverá ser um caminho econômico e financeiro irregular acidentado para o Brasil.

 

O crescimento econômico em partes importantes do mundo desenvolvido tem ficado abaixo das expectativas nos últimos anos. Isso se deve a problemas estruturais?

 

Sim, e há quatro causas principais para isso como discuto no meu livro mais recente ["The Only Game in Town", ainda sem tradução para o português]. Primeiro, antes da crise financeira global de 2008, os países avançados focaram o motor errado de crescimento. Em vez de investir no que gera crescimento inclusivo genuíno –como infraestrutura, requalificação profissional, educação e reforma tributária pró-expansão–, caíram de amores pela noção de que as finanças podem gerar prosperidade sustentável por meio de engenharia financeira. Ao permitir alavancagem excessiva, eles também abriram a porta para uma crise financeira disruptiva.

 

Segundo, muitos países separaram sua habilidade de gastar de seu desejo de gastar. O resultado tem sido uma demanda agregada deficiente que aumenta os problemas estruturais do lado da oferta. Na Europa, esse descasamento se deu por causa de políticas de austeridade excessivas e transferências regionais insuficientes. Nos EUA, é o resultado de um aumento significativo da desigualdade de renda e riqueza.

 

Terceiro, permanecem bolsões de endividamento excessivo, cujo impacto no crescimento lembra o que aconteceu na América Latina durante a década perdida dos 1980.

 

Quarto, tanto as arquiteturas internacionais quanto europeias permanecem parciais, causando um problema adicional em nível mundial. O impacto negativo para o crescimento é agravado por uma coordenação política internacional insuficiente.

 

Por que os países desenvolvidos têm confiado quase exclusivamente em ações dos bancos centrais para tentar recuperar o crescimento? Essas políticas falharam?

 

Saindo da crise financeira global, os bancos centrais atuaram de forma crítica para normalizar mercados financeiros altamente disfuncionais e evitaram o que poderia ter sido uma depressão global muito dolorosa e longa. Mas a polarização política tanto nos EUA quanto na Europa frustrou a transferência da ação para agências do governo mais bem equipadas para lidar com os quatro temas que mencionei na outra resposta. Dessa forma, os bancos centrais foram forçados a carregar muito do peso das políticas por muito tempo.

 

Enquanto isso trouxe algum tempo para o sistema político responder, essa confiança excessiva e prolongada nos bancos centrais teve danos colaterais.

 

Por isso, a urgência de uma mudança é ainda maior.

 

O que precisa ser feito?

 

Uma resposta coordenada de políticas que ataquem os quatro pontos que mencionei: reformas estruturais pró-crescimento, lidar com deficiências na demanda agregada, terminar com os bolsões de endividamento excessivo e melhorar a arquitetura regional e global.

 

Como o Brasil será afetado pela conjuntura internacional?

 

O cenário é mais desafiador e aumenta a importância de respostas de políticas nacionais rápidas e efetivas.

 

A era de forte crescimento de países emergentes acabou?

 

Certamente não. Começando com o Brasil, as economias emergentes têm o potencial de ter crescimento inclusivo e fazer isso de forma sustentável. Mas isso requer uma resposta abrangente que desencadeie forças produtivas que, em muitos países, estão atualmente minadas por políticas inconsistentes e pela falta de uma visão de longo prazo em prol de uma prosperidade inclusiva.

 

RAIO-X 
Mohamed El-Erian, 57

 

Nascimento 
19 de agosto de 1958, em NY

 

Cargos 
Presidente do conselho de desenvolvimento mundial do presidente Barack Obama
Consultor-chefe de economia da Allianz, grupo multinacional alemão de seguros e serviços financeiros
Ex-presidente-executivo da administradora de investimentos Pimco

 

Livro 
"When Markets Collide"

 

Fonte: Folha de São Paulo